Sem Sol (adeus Chris Marker)

Não vale a pena resistir a transformar um blogue num obituário. (Não houve quem provasse com cálculo que o próprio Facebook não tardaria a transformar-se num cemitério? – hão-de resolver isso, com um botão R.I.P. que minimiza desaparecidos; mas quem cuidará das suas hortas?)

Chris Marker deu com François Truffaut na rua. Reconheceu-o de vista como um habitual dos serões de cinema de Paris. Truffaut não pediu ajuda. Andava fugido do serviço militar. Mas Marker (pseud.) reparou no calçado gasto sem meias. E tratou de encaminhar o rapaz.

foto: Chris Marker, Sans Soleil (1982)

Um lema

Ah, os blogues que  prometem começar, recomeçar ou continuar. Os tempos não estão para tiradas vãs. Muito menos a respeito do teatro, que elegemos como o tema preferencial deste órgão de comunicação social e que, quanto a nós, continua a ser o pequeno sangramento, a pequena verruga ou obstipação, náusea, inchaço ou comichão que revela o cancro. O teatro não faz sentido nenhum aqui e agora, e isto ser uma evidência é que dá especial sentido e razão de ser ao mesmo teatro. Enfim, isto tudo para deixarmos aqui um lema que brotou em conversa, em saudação ao ridículo «acordo ortográfico» que muito poucos tiveram a lucidez de denunciar como mecanismo para forçar a escrita a imitar a fala, quando o seu registo tem níveis de informação totalmente alheios ao mexerico vocal – tudo em nome da utopia burocrática da lusofonia:

Não quero espetadores nos meus espectáculos.

 

De volta aqui

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Regressar a este blogue foi regressar a dois dos blogues que nos fizeram descobrir o género, e continuamos a estimar e recomendar. Wood S Lot, que se mantém admiravelmente inalterado, e Spurious, em parte agora dedicado à notoriedade recente do seu autor Lars Iyer (ou da sua personagem W., que interpela o melindroso narrador do blogue, sem nome, e que nem mencionámos no nosso artigo preguiçoso ou displicente; blogue escrito, portanto, em drama).

Será estranho insistir no teatro, num momento de negação da razão de ser às artes públicas, e até à discussão pública, num momento em que é todos os dias declarado ser politicamente vantajoso não haver drama. Num momento de uma espécie de louvor da economia de sobrevivência, por oposição a uma economia de vivência – à imagem do passado Estado Novo, ou qualquer estado de união forçada. (No drama, tal qual o entendemos, o palco é um lugar formal dentro da grande cena; isto quando consegue ser esse outro lugar; a negação desse espaço só passa despercebida porque todo o outro espaço público já foi desertado.)

Mas o facto de o drama geral ter sido sempre tão raro aqui (tanto quanto o drama artístico é escasso e quase irrelevante socialmente), dá a esta saudação e pressão para a paz formal um carácter ainda mais intrigante. Causam o deserto e chamam-lhe paz – foi o que se disse das legiões romanas, no que, quanto a nós, descreve o espírito que presentemente invade.

Recomeço

O longo tempo de pausa deste blogue começa a ter efeito nesta primeira fase de arrumação. Começámos pela apresentação gráfica, mantendo a paleta e a imagem-emblema, mas tornando a coluna única mais legível, larga e limpa. A partir de agora, os textos e imagens serão por princípio originais do blogue, salvo raras excepções (este blogue continuará a não respeitar o chamado «novo acordo ortográfico»). Drama Pessoal irá muito provavelmente descartar uma parte importante do seu conteúdo anterior para recomeçar como registo da experiência de alguém que trabalha para o teatro e artes de palco – a intenção inicial, afinal. (As páginas secundárias «Editorial» e «Artigos» foram temporariamente desligadas, para reformulação; a página até agora dedicada ao escritor António da Silva Teixeira Electricidade será transformada num blogue exclusivamente dedicado ao autor – a anunciar -, mas fica por enquanto disponível, a pedido de alguns interessados; há mais textos de Electricidade para juntar ao conjunto).
Mais teatral, mais pessoal – talvez uma contradição de termos. Este regresso ao teatro faz todo o sentido, precisamente agora que tanto consta em contrário.

 

 

[sem título]

 

 

Um pedido de desculpas pela demorada suspensão sem aviso. Algum trabalho criativo afastou-nos daqui. Estamos também a pensar em mudar um pouco o conteúdo deste blogue. Esperamos que a imagem escolhida para figurar a pausa seja do agrado dos visitantes. Há anos que a temos guardada, em tamanho maior, talvez para ilustrar um pequeno livro em parte dedicado ao Tempo (enfim; em certo sentido, os livros são todos dedicados ao Tempo). Parece que há uma tribo da Amazónia que não tem a palavra tempo (parece que há uma tribo na Amazónia para cada um dos nossos problemas). Não podemos dar-nos a esse luxo (outra palavra frequentemente dispensada pelas culturas, algumas bastante complexas).

 

O burro come jornais


«Os deputados governamentais acercaram-se dele, convidando-o em termos delicados a aceitar, no banquete do progresso, o lugar que a sua inteligência reclamava. Os deputados oposicionistas conjuravam-no a não levantar a mão de sobre os projectos depredadores com que a facção governamental andava cavando novas voragens ao país.»

Camilo Castelo Branco, A Queda de Um Anjo, 1866.

George Grosz
The Eclipse of the Sun, 1926
The Heckscher Museum of Art, Huntingdon, New York © Estate of George Grosz

Donna Michelle (uma vida)

 

 

«Donna Michelle (8 de Dez. de 1945, Los Angeles, Califórnia – 9 de Abril de 2004, Ukiah, Califórnia) foi o pseudónimo de Donna M. Ronne, modelo, actriz, e fotógrafa. Foi «Coelhinha do Mês» da revista Playboy em Dezembro de 1963, e depois «Coelhinha do Ano» em 1964. Os fotógrafos da sessão de 1963 foram Pompeo Posar e Edmund Leja.
Em criança, Michelle estudou ballet e dançou no New York City Ballet. Tinha dezassete anos quando foi fotografada como «Coelhinha do Mês». Aos dezoito anos tornou-se a mais jovem «Coelhinha do Ano» da história da revista, um marco que ainda lhe pertence. Foi namorada de Hugh Hefner durante algum tempo.
Na universidade, Michelle estudou Artes Teatrais, e trabalhou brevemente como actriz, até tornar-se fotógrafa e autora do artigo temático «Donna Faz Cliques» no número de Abril de 1974 da revista Playboy. Donna teve direito a um selo na série comemorativa dos 50 anos da revista, com a sua capa do número de Maio de 1964.
Donna Michelle morreu a 9 de Abril de 2004 em Ukiah, Califórnia, ao sofrer um ataque de coração num supermercado. Tinha 57 anos.»